Com a tecnologia Blockchain é agora possível rastrear e seguir mercadorias ou partilhar processos de fabrico sensíveis de forma completamente segura

Os avanços tecnológicos em campos como a robótica, fabrico aditivo, realidade aumentada, internet of things e inteligência artificial alimentam a grande visão da indústria transformadora 4.0. Prometendo uma utilização mais eficiente dos recursos e uma personalização em massa da produção economicamente viável, o fabrico 4.0 visa uma integração horizontal através de redes de valor, integração digital end-to-end da engenharia em toda a cadeia de valor, integração vertical e sistemas de produção em rede, e inovação de modelos de negócio orientados para o cliente. No entanto até agora não surgiu nenhuma plataforma dominante que facilite amplamente a integração de actividades de manufactura distribuída e a interacção ao longo da cadeia de valor global. Mas a tecnologia blockchain pode revelar-se o elo que faltava. Como plataforma partilhada e descentralizada, a blockchain facilita a troca transparente, segura e controlada de informação à escala global. Quebrando silos informativos, a blockchain poderia servir como uma plataforma de confiança para orquestrar e gerir processos de fabrico definidos por software para actividades de fabrico locais e geograficamente dispersas. Existem hoje várias blockchains para fins especiais que respondem a diferentes requisitos de aplicação. A maioria das implementações são construídas em torno de três elementos-chave – bases de dados da blockchain, contratos inteligentes, e tokens – que permitem às empresas gerir dados e processos essenciais para aplicações do ecossistema  de fabrico 4.0. No seu núcleo, a tecnologia blockchain consiste numa base de dados distribuída que agrupa transacções numa cadeia de blocos (ou seja, blockchain) utilizando a criptografia. Para uma determinada transacção, a blockchain verifica efectivamente se o remetente de uma trasacção tem o título sobre um objecto (ou seja, o direito de transferir a propriedade de um objecto) e depois transfere o título para o receptor. Uma vez que a base de dados da blockchain é partilhada entre todos os participantes da rede, resolve o problema da atribuição e ordenação de eventos a nível do ecossistema de uma forma resiliente e fiável. Num ambiente de fabrico, a blockchain facilita a troca de qualquer tipo de bens digitais com transacções desencadeadas por máquinas ou seres humanos.  Mais importante, a blockchain pode ligar o ambiente interno de uma empresa produtora com sistemas estabelecidos, tais como MES e ERP, a fim de realizar uma integração horizontal de ponta a ponta nos modelos empresariais de fabrico colaborativo 4.0. Os contratos inteligentes podem ser codificados para reflectir qualquer tipo de lógica de negócio transaccional orientada por dados e assegurar que o cálculo aconteça de uma forma previamente acordada e coordenada, sem a possibilidade de interferência externa, proporcionando desta feita um grau de certeza sem precedentes num ambiente distribuído. Os tokens são recursos digitais nativos dentro de uma rede, representando digitalmente qualquer tipo de valor físico dentro do ecossistema (por exemplo, poder de voto numa organização). Estes tokens são tipicamente o combustível da rede para recompensar os interessados pela sua contribuição. Mais importante, os tokens nativos representam uma participação na rede que cresce em valor à medida que a rede cresce, o que faz incentivar todos os participantes da rede a contribuírem para a mesma. Em redes de fabrico colaborativo 4.0, os tokens nativos podem fornecer um mecanismo para incentivar a contribuição de parceiros heterogéneos e mesmo clientes ou concorrentes, sem que para isso seja necessário especificar as condições particulares do negócio. Combinando a certeza de uma transacção registada em blockchain, a certeza da auto-execução dos contratos inteligentes, e os incentivos económicos dos tokens, a tecnologia blockchain fornece uma plataforma para as empresas gerirem dados e processos num ambiente de fabrico definido por código. A aplicação da blockchain na indústria transformadora pode ter várias vertentes. Na gestão de redes de produção, as plataformas blockchain facilitam as interecções entre clientes e fabricantes através de contractos inteligentes para agilizar processos de produção e tokens de incentivo aos participantes (exemplo: SybcFab). No fabrico aditivo, os contractos inteligentes servem de camada de segurança e middleware para integrar e conectar o limiar digital, alicerçando todas as trasacções (exemplo: Consórcio Cubichain, Consórcio Genesis of Things, Moog). Na gestão do ciclo de vida dos activos, a blockchain facilita uma memória partilhada e imutável do produto e providencia um trilho restreável de dados sobre o ciclo de vida dos activos entre múltiplas partes (exemplos: Air France, Boeing, General Electric, Lufthansa, Volkswagen). Por fim, a Blockchain providencia a visibilidade quase em tempo real da cadeia de abastecimento reunindo todas as partes e transacções numa única ledger partilhada (exemplos: Bosch, Dianrong e Foxconn; Mahindra Group, Sichuan Hejia, Pfizer, Genentech).

De seguida, poderemos ver com mais detalhe cada uma destas aplicações.

A globalização e a volatilidade da procura exigem uma produção cada vez mais flexível. Para lidar mais eficientemente com a procura global, as empresas fabricantes devem encontrar formas de tornar os recursos de fabrico mais acessíveis. A produção distribuída promete ligar de forma eficiente clientes e fabricantes geograficamente dispersos a uma escala global. Embora a Internet tenha contribuído grandemente para a visibilidade das capacidades de produção globais, os custos de transacção permaneceram proibitivamente elevados devido à falta de digitalização e integração dos processos de fabrico. Como resultado, surgiram intermediários e grandes empresas de aquisição para gerir o aprovisionamento, a contratação e a garantia de qualidade. Coordenando a procura e a oferta, estes intermediários ditam os preços, carecem de protecção da propriedade intelectual, e dificultam o acesso de pequenos inovadores e empresas aos recursos de fabrico.

A SyncFab, uma iniciativa com sede em São Francisco, lançada em 2013 “para ser o primeiro ecossistema interactivo design-to-manufacturer da cadeia de abastecimento”, facilita os processos de fabrico ao ligar empresas e indivíduos fisicamente dispersos. Envolvendo uma plataforma automatizada de comprador para fabricante, SyncFab estabelece actualmente uma cadeia de fabrico inteligente que “agrega todas as encomendas e envia pedidos directamente aos fabricantes que correspondem aos requisitos do comprador … utilizando os nossos contratos inteligentes para racionalizar os processos de aquisição, eliminando o desperdício de horas de trabalho em falhas de comunicação que levam a erros ou atrasos de fabrico”. Ao contrário das actuais soluções em silos, a tecnologia blockchain promove a integração horizontal. À medida que a informação é armazenada, verificada e acordada simultaneamente em toda a cadeia de valor, cria um ecossistema ideal para as empresas fabricantes preocupadas com a segurança e a propriedade intelectual. Tendo migrando a sua plataforma actual para uma solução baseada em blockchain, a plataforma SyncFab facilita a interacção entre compradores e fabricantes. Dependendo do histórico de encomendas de um fabricante, das capacidades das máquinas, e dos desenhos anteriores de produtos relacionados com os requisitos de um comprador, a plataforma ligará directamente os compradores aos fabricantes, acelerando a aquisição e a produção sem recurdo a intermediários. Os pedidos de compra concluídos são registados na blockchain, construindo um histórico imutável e fornecendo informações sobre o desempenho passado, fiabilidade e entrega atempada. Isto cria a confiança de que as encomendas colocadas serão cumpridas de acordo com requisitos específicos. As relações transaccionais entre as partes são codificadas através de contractos inteligentes promovidos pela blockchain. Estes contratos podem armazenar propriedades intelectuais encriptadas com direitos de acesso limitados convidando os fabricantes a concorrer a um projecto de fabrico.

Além disso, os contratos inteligentes podem ser usados para ordens de compra, documentar o montante da proposta e da cotação, critérios de produção, ficheiros de desenho ou qualquer outro IP partilhável, relatórios de inspecção, e condições de pagamento. Os contratos inteligentes são principalmente adequados quando as partes envolvidas podem definir os termos de uma transacção sem ambiguidade e medir e verificar objectivamente o sucesso de uma transacção. Ao eliminar intermediários, software ultrapassado e processos de aquisição ineficientes, a plataforma reduz significativamente os custos de transacção, reduzindo a barreira à entrada tanto para os compradores como para os fabricantes e cria uma rede transparente de fabrico distribuído à escala global. À medida que os processos de aprovisionamento e o equipamento de fabrico são cada vez mais definidos por software, os contratos inteligentes baseados em blockchain alargam o âmbito da automação, alimentando a visão anteriormente ilustrada de fábricas autónomas partilhadas.









O fabrico aditivo (AM) representa uma mudança de paradigma no fabrico, pois através da personalização em massa permite aos produtores criar objectos individuais de forma flexível, em que o processo de fabrico é inteiramente controlado por computador e pode simplesmente ser personalizado através da alimentação de diferentes ficheiros baseados em desenho assistido por computador (CAD) sem a necessidade de dispendiosos reequipamentos. Mas embora os benefícios do AM pareçam claros, este tem até agora lutado para passar à produção industrial em série devido à falta de economias de escala. A produção de peças em pequenos lotes na fase de concepção ou pré-produção é muito diferente de uma produção em massa economicamente viável.

A tecnologia blockchain começa a ser vista como um grande facilitador para um limiar digital integrado para AM, na medida em que fornece uma camada de segurança e middleware para integrar e ligar o limiar digital, sustentando todas as transacções que ocorrem ao longo do ciclo de vida digital e físico para AM. As alterações a um desenho, por exemplo, são feitas instantaneamente e através de todas as partes envolvidas. Além disso, a blockchain fornece um registo indelével e rastreável das alterações e protege a propriedade intelectual contra o acesso não autorizado. O fabricante de peças de precisão aeroespacial Moog, bem como os consórcios da indústria de fabrico Cubichain e Genesis of Things, têm vindo a demonstrar a viabilidade da blockchain para impor um limiar digital fiável em AM.

O processo AM começa com uma fase de concepção através da criação de uma definição de produto digital (DPD). Uma identificação hash do DPD original é gravada na blockchain para assegurar a integridade dos dados sob a forma de um registo indelével e seguro. Durante a fase de concepção, ocorrem várias transferências à medida que o DPD é modificada em diferentes softwares de concepção de vários engenheiros, departamentos, e mesmo entre empresas. Estas alterações são acompanhadas por sistemas de gestão do ciclo de vida do produto muitas vezes díspares que requerem um esforço de configuração significativo e uma governança centralizada. Durante esta fase, a blockchain pode facilitar uma sincronização quase em tempo real dos dados da DPD entre diferentes empresas e departamentos, proporcionando uma camada de transacção segura para acompanhar as alterações das versões da DPD e manter a rastreabilidade ao longo de toda a fase de concepção. A fase de concepção é particularmente adequada para implementações em blockchains, uma vez que os seus processos de criação de valor são quase inteiramente digitais e podem, portanto, interagir directamente com a blockchain. No início da fase de construção, o DPD final é transferido para o fabricante. O fabricante compara então o hash do ID com o hash do ID fornecido pelo projectista da DPD para garantir que o ficheiro não foi adulterado. Esta transferência e verificação pode também funcionar de forma totalmente automatizada, utilizando contratos inteligentes para localizar a impressora mais apropriada (com base em atributos como disponibilidade, preço, qualidade e localização) e negociar automaticamente termos, tais como preço, nível de qualidade e data de entrega. O DPD é então transferido directamente para uma impressora 3D com zero acesso humano ou interferência. A ausência de risco de interferência humana é particularmente importante em componentes de missão crítica, tais como peças de substituição para um avião. A Airbus, por exemplo, explorou como dados sensíveis de design poderiam ser enviados para qualquer impressora 3D em qualquer país que queira construir as peças impressas em 3D da Airbus, desde que garanta os padrões de qualidade e segurança verificados pelo contrato inteligente incorporado. O mesmo contrato poderia impor a eliminação imediata dos dados aquando da impressão.

Devido à natureza digital, bem como aos requisitos de segurança, o processo AM presta-se a uma aplicação da tecnologia blockchain e de contractos inteligentes, prometendo uma redução maciça dos custos de transacção reduzindo assim as barreiras à entrada no mercado. Além disso, as economias de gama são reduzidas à medida que o AM facilita um aumento na variedade de produtos por unidade de capital, reduzindo as mudanças de produção e a personalização manual. Estas mudanças apontam para uma democratização da produção, desintermediação da cadeia de abastecimento, e uma capacitação dos clientes, bem como das pequenas e médias empresas.









Qualquer indústria com equipamentos complexos, tais como aeronaves ou carros, precisa de acompanhar os seus activos ao longo do seu ciclo de vida. Um avião, por exemplo, opera frequentemente de 10 a 30 anos antes de ser alienado. Ao longo da sua vida útil, um avião tem normalmente múltiplos proprietários e é mantido por diferentes prestadores de serviços, e nesta medida, uma prova credível de que um activo foi montado, operado e mantido de acordo com as especificações torna-se uma questão de confiança – ainda mais para equipamento crítico vital, tal como uma aeronave. As partes de uma aeronave são genuínas e estão em boas condições de funcionamento? Como provar que um certificado não foi adulterado? Com múltiplas partes, tais como fornecedores, OEMs, companhias aéreas, MROs, e agências reguladoras envolvidas, as assimetrias de informação são comuns. A documentação consiste frequentemente em ficheiros de papel díspares e fornece apenas um histórico fragmentado de um activo. A blockchain, como um livro-razão partilhado, poderia fornecer uma única e indiscutível fonte de verdade para a história de um activo. Durante a montagem, o OEM cria então um gémeo digital de uma peça de equipamento na blockchain que está associado a várias peças. Uma vez em funcionamento, o histórico de manutenção e reparação pode ser actualizado na blockchain. A utilização de um activo e os eventos de danos podem ser acrescentados através de sensores IoT seguros. Finalmente, a blockchain também permite a transferência de propriedade de um bem, incluindo todo o seu histórico.

Assistimos já a implementações antecipadas e provas de conceitos (PoC) nas indústrias automóvel e aeronáutica. Na indústria automóvel, a Bosch e a TÜV Rheinland, por exemplo, asseguraram o odómetro de um automóvel escrevendo e actualizando continuamente a quilometragem de um determinado automóvel numa blockchain. A General Electric patenteou recentemente um conceito para um sistema de optimização dinâmica que inclui múltiplos aspectos de gestão, operação e manutenção de uma aeronave. Adoptando uma abordagem semelhante, a Volkswagen e a BigchainDB testaram um passaporte automóvel que regista o consumo de combustível, quilometragem e dados de danos dos automóveis; a Lufthansa Industry Solutions lançou recentemente a iniciativa Blockchain for Aviation (BC4A) para explorar casos de utilização ao longo da transparência na manutenção de voos. A Boeing adoptou uma abordagem holística num projeto piloto de utilização da blockchain para a gestão de todo um ciclo de vida de uma aeronave.

O ciclo de vida de uma aeronave pode ser distinguido em quatro fases-chave: concepção e construção, programação e operação, monitorização e manutenção, e eliminação. Cada fase é apoiada por vários sistemas, tais como a gestão de operações de fabrico na fase de concepção e construção, centro de operações aéreas na fase de programação e operação, sistemas de manutenção de aeronaves na fase de monitorização e manutenção, e gestão de demolição de aeronaves na fase de eliminação. Até à data, estes sistemas são na sua maioria silos dentro de diferentes organizações. Através da criação de uma plataforma blockchain, os dados destes silos podem ser combinados à medida que um activo se move ao longo das fases do seu ciclo de vida e podem ser partilhados entre vários intervenientes no ecossistema da aeronave. A gestão do ciclo de vida do activo na blokchain reduz as assimetrias de informação entre múltiplas partes, uma vez que proporciona um histórico imutável de um activo. A transparência quase em tempo real do histórico e da utilização de activos baseada na blockchain também alimentará a inovação do modelo de negócio para os fabricantes.









Uma cadeia de abastecimento representa todos os elos entre as partes envolvidas na criação e distribuição de mercadorias, começando pelos fornecedores de matérias-primas e terminando com a entrega de um produto acabado ao consumidor, abrangendo frequentemente centenas de etapas e dezenas de localizações geográficas. No entanto, os fabricantes correm frequentemente o risco de falhas na cadeia de abastecimento, e os clientes não têm uma forma fiável de verificar a proveniência dos produtos e serviços adquiridos. Espera-se que a tecnologia Blockchain melhore drasticamente as cadeias de abastecimento, proporcionando uma visibilidade profunda quase em tempo real com base num livro-razão de confiança que é partilhado por todas as partes. A aplicação da blockchain para a proveniência em cadeias de abastecimento visa dar visibilidade à origem de um produto. No fabrico, a proveniência desempenha um papel fundamental no combate aos produtos contrafeitos. Para várias indústrias, os bens contrafeitos não só constituem uma grande ameaça económica, como podem mesmo ser vitais, por exemplo no que toca a produtos farmacêuticos contrafeitos que podem causar centenas de milhares de mortes anualmente. Para impedir os falsificadores, a Pfizer e a Genentech lançaram o projecto MediLedger baseado na blokchain Ethereum para permitir aos fabricantes seguir e rastrear os medicamentos prescritos de acordo com os requisitos estabelecidos pelo Drug Supply Chain Security Act dos EUA. Do mesmo modo, a Bosch enfrenta o problema das peças sobressalentes automóveis contrafeitas que são frequentemente devolvidas à Bosch com queixas de qualidade. Para combater esse fenómeno, a Bosch desenvolveu uma prova de conceito baseada no Hyperledger para rastrear a proveniência de uma peça automóvel desde a sua criação numa das fábricas da Bosch até ao consumidor.

Apesar das vantagens aqui enunciadas sobre o uso da tecnologia blockchain na indústria e supply chain, existem desafios para a sua implementação. As empresas devem ponderar cuidadosamente entre a utilização de protocolos permissionados, não-permissionados, ou de protocolos híbridos de blockchain, de acordo com os seus requisitos de caso de utilização. Embora as blockchain permissionadas possam oferecer maior escalabilidade e um desempenho mais elevado para alguns requisitos, são normalmente restritas a um conjunto de participantes pré-aprovados, o que as pode tornar menos seguras porque a confiança nos participantes é exigida. Outro elemento crucial a considerar tem a ver com a governança do protocolo blockchain. Alguns protocolos (na sua maioria não-permissionados) podem ser implementados como software autónomo sem a necessidade de se envolverem ou monitorizarem a gestão do protocolo. Muitos protocolos não-permissionados (por exemplo, Bitcoin, Ethereum), contudo, são governados por comunidades de desenvolvedores e participantes da rede (por exemplo, utilizadores, mineradores, operadores de nós) que decidem sobre alterações centrais a um protocolo. As partes interessadas devem empenhar-se proactivamente na formação de normas e entrega da indústria para assegurar que os protocolos continuem não só a apoiar a sua utilização, mas também a melhorar os conjuntos de características relacionadas.

O potencial da blockchain no Financiamento do Comércio Global

O Trade Finance, representando um mercado no valor de 10 triliões de dólares (a valores de 2017), é um requisito necessário para comércio mundial. Os compradores querem ter a certeza de que as suas compras chegam em bom estado antes de pagarem por elas; os vendedores, por outro lado, necessitam ter a certeza de que os compradores podem pagar. Vários intermediários, incluindo bancos e companhias de seguros surgiram para negociar estes desequilíbrios, normalmente através de mecanismos de cartas de crédito ou de factoring.

Contudo, os processos permanecem em grande parte baseados em papel e, acima de tudo, complexos. Um negócio de financiamento do comércio muitas vezes pode levar semanas, se não meses, para ser concluído, envolvendo um quantidade soberba de documentos.

O financiamento do comércio enfrenta hoje em dias os seguintes pontos de dor:

– Criação manual do contrato. O banco de importação revê manualmente o acordo financeiro fornecido pelo importador e envia financeiros para o banco correspondente.

– Factoring de facturas. Os exportadores utilizam facturas para conseguir financiamento a curto prazo a partir de múltiplos bancos, acrescentando risco adicional no caso a entrega de mercadorias falha.

– Atraso na linha temporal. O envio de as mercadorias são atrasadas devido a múltiplos controlos por intermediários e numerosos pontos de comunicação.

– Revisão manual AML. O banco de exportação deve realizar verificações manuais de AML usando os dados fornecidos pelo banco de importação.

– Múltiplas plataformas. Uma vez que cada parte opera em diferentes plataformas, a má comunicação é comum e a propensão à fraude é elevada.

– Duplicação de conhecimentos de embarque. Os conhecimentos de embarque são financiados várias vezes devido à incapacidade dos bancos em verificar a sua autenticidade.

– Múltiplas versões da verdade. À medida que os documentos financeiros são enviados de uma entidade para outra, existem desafios significativos de controlo de versões à medida que são feitas alterações.

– Atraso no pagamento. Intermediários múltiplos deve verificar se os fundos foram entregues ao importador, tal como acordado antes do desembolso de fundos para o banco de exportação.

Tem havido no passado tentativas de lidar com estas questões através da digitalização, nomeadamente através de plataformas como o essDocs e o Bolero. Mas na prática, tal geralmente envolve versões digitais de documentos em papel, e não verdadeiras transacções digitais.

Para além das questões de complexidade, os bancos e outros intermediários não tiveram, historicamente, grandes incentivos para fazer grandes investimentos em inovação.

Felizmente, isto está a mudar. Face a aumento da regulamentação, diminuição das margens e concorrência das empresas, bancos e companhias de seguros envolvidas no financiamento do comércio têm estado ultimamente a olhar muito mais seriamente em formas de digitalizar os seus processos e aumentar eficiências.

A indústria financeira comercial começa a ver a Blockchain como uma ferramenta útil para racionalizar processos. Uma forma é simplesmente através da catalisação da digitalização, oferecendo um meio de melhorar a confiança em documentos e transacções digitais. Isto, por sua vez, poderia aumentar a velocidade de tais transacções, bem como a sua segurança, facilitando fluxos financeiros entre as contrapartes. As identidades digitais baseadas em blockchain poderiam também ajudar a racionalizar o KYC (Know Your Customer) e outros requisitos de conformidade.

A Blockchain também poderia ajudar a catalisar a inovação na esfera das finanças comerciais. Poderia fornecer maior transparência nas cadeias de abastecimento e partes interessadas, permitindo potencialmente novos tipos de instrumentos financeiros. Pode facilitar pagamentos automáticos através de contratos inteligentes, bem como proporcionar uma auditabilidade muito maior de transacções. Isto, por sua vez, poderia racionalizar relatórios, contabilidade e outros processos, bem como levar a uma melhor inteligência sobre o estado dos mercados, beneficiando não só os actores ao longo da cadeia de abastecimento, bem como as autoridades regulatórias.

Tais benefícios podem incluir:

Revisão em tempo real. Documentos financeiros ligados e acessíveis através da blockchain são revistos e aprovados em tempo real, reduzindo o tempo necessário para iniciar envio.

Factoring transparente. Facturas acedidas na blockchain proporcionam um tempo real e visão transparente para subsequente financiamento de curto prazo.

Desintermediação. Bancos que facilitem o financiamento através da blockchain não requerem um intermediário de confiança para assumir o risco, eliminando a necessidade de bancos correspondentes.

Redução do risco de contraparte. As carta de desembarque são seguidos através da blockchain, eliminando o potencial de duplicação de gastos.

Execução descentralizada do contrato. À medida que os termos do contrato são cumpridos, o estatuto é actualizado na blockchain em tempo real, reduzindo o tempo e o número de efectivos necessários para monitorizar a entrega de mercadorias.

Comprovativo de propriedade. O título disponível dentro da blockchain proporciona transparência na localização e propriedade das mercadorias.

Liquidação automatizada e redução das taxas de transacção. Termos contratuais executados através de contratos inteligentes eliminam a necessidade de bancos correspondentes e taxas de transacção adicionais.

Transparência regulamentar. As entidades reguladoras têm nas suas mãos uma visão em tempo real dos documentos essenciais para ajudar na aplicação e actividades AML (Anti Money Laundring).

Acesso ao financiamento por parte das PME. A blockchain poderia também permitir aos bancos servir PMEs com históricos financeiros limitados. De acordo com a Câmara de Comércio Internacional no seu “Inquérito Global sobre Financiamento do Comércio” de 2016, 58% das propostas de financiamento do comércio rejeitadas foram candidaturas de PMEs. Com maior transparência no rastreamento de activos, a Blockchain permitirá aos bancos avaliar melhor o risco, assumir novos segmentos de clientes como as PMEs, e aumentar as suas ofertas de crédito através de programas de financiamento do comércio mais inovadores.

A Blockchain será uma inovação importante para a realização de novas eficiências no comércio global. Tem potencial para uma profunda re-arquitectura de base, o que significa que os participantes do comércio global poderiam utilizá-la para redesenhar processos e transformar modelos de negócio ultrapassados. Poderiam apoiar-se não no papel, mas em registos digitais criptográficos seguros e regras de negócio codificadas. Poderiam utilizar contratos inteligentes – aplicações distríbuidas de software que “imitam” os termos dos acordos, correm em múltiplos computadores, e executam por consenso – para fazer cumprir de forma automática as regras de negócios e os termos de negócio, mesmo entre partes não confiantes entre si.

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